GUERRA FISCAL: Estados brigam e contribuintes apanham - Entenda Por quê!
A prática de concessão de benefícios fiscais para a atração de empresas e investimentos é o que se convencionou chamar de guerra fiscal.
Preocupado com a manutenção da harmonia e equilíbrio do pacto federativo, a Constituição Federal de 1988, estabeleceu que cabe à lei complementar (LC) “regular a forma como mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados” (CF/88, art. 155, § 2º, inc. XII, letra ‘g’).
A LC nº 87/96 procurou disciplinar a matéria em seus arts. 27 a 30. Esses dispositivos, no entanto, foram vetados. Ficou valendo, então, as regras antigas da LC nº 24/75, dentre as quais a do seu art. 2º, § 2º, que condicionava a concessão de benfícios fiscais à decisão unânime de todos os Estados.
Eis a origem de todos os males! Num país com tamanha extensão e diversidades culturais, sociais e econômicas torna-se praticamente impossível a unanimidade em matéria tão sensível.
Estados menos desenvolvidos, visando promover e incrementar sua economia, têm todo o interesse em atrair investimentos em troca da renúncia de parte das receitas que lhes são próprias. Estados mais avançados e industrializados, alegando concorrência nociva, são contra esta prática, e usam o seu poder de veto no âmbito do CONFAZ. Basta um único Estado se opor, e todo o restante da federação haverá de se curvar, seja legítima ou não essa oposição.
É certo que a LC nº 24/75 estabeleceu sanções para o caso de concessão de benefícios de forma indevida, visando evitar a guerra fiscal.
Seu art. 8º determina que “A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente: I - a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria; Il - a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente.”
E o § único desse mesmo dispositivo também determina que “As sanções previstas neste artigo poder-se-ão acrescer a presunção de irregularidade das contas correspondentes ao exercício, a juízo do Tribunal de Contas da União, e a suspensão do pagamento das quotas referentes ao Fundo de Participação, ao Fundo Especial e aos impostos referidos nos itens VIII e IX do art. 21 da Constituição federal.”
Percebe-se, portanto, a existência de dois tipos de sanções, de naturezas distintas.
A segunda (§ único, supra), voltada aos Estados, não encontra mais guarida na CF/88, por estar desatualizada e ser com ela incompatível. Ficaram os Estados, portanto, “livres” para “guerrear”, pois não mais sofreriam diretamente as consequencias de seus atos.
Nesse contexto, na briga dos Estados quem apanha são os contribuintes!
Com efeito, a primeira espécie de sanção, a estes últimos direcionadas, continuou e continua a ser aplicada, especialmente pelos Estados que se julgam prejudicados pela concessão de benefícios fiscais pelas outras unidades federativas sem a devida autorização.
Dessa forma, os contribuintes destinatários das mercadorias ficam com o risco de terem o crédito fiscal da compra glosado, e os contribuintes remetentes ficam com o risco de terem que pagar o imposto que foi dispensado na operação de saída, em ambos os casos com acréscimos de multas e juros.
Acredita-se, contudo, na existência de excelentes argumentos em favor dos contribuintes, para afastar a aplicação dessas sanções, pois a LC nº 24/75, art. 8º, e incisos, em seu conteúdo:
a) ultrapassa a autorização outorgada pelo art. 155, § 2º, letra ‘g’, da CF/88, uma vez que não se limita apenas a disciplinar a forma como os Estados podem conceder ou revogar benefícios fiscais, mas disciplina os próprios efeitos e sanções decorrentes da inobservância desses expedientes;
b) ao assim fazer, procede de maneira contrária ao princípio da não-cumulatividade tributária (CF/88, art. 155, § 2º, inc. I), pelo qual o direito ao crédito do contribuinte destinatário se dá não pelo montante do imposto efetivamente cobrado na operação anterior, mas sim pelo imposto incidente, isto é, destacado nas notas fiscais de circulação das mercadorias;
c) ofende os princípios da separação de poderes (CF/88, art. 2º) e da inafastabilidade do Poder Judiciário (CF/88, art. 5º, inc. XXXV), pois para que seja reconhecida a nulidade do ato e ineficácia do crédito fiscal transferido, é necessário previamente declarar-se inconstitucional a legislação do Estado de origem que concedeu o benefício fiscal, sendo que essa atribuição não cabe às autoridades fiscais, mas exclusivamente ao Poder Judiciário;
d) implica na indevida invasão de competências tributárias, pois esta é indelegável e o seu não-exercício por um ente não o defere a pessoa jurídica de direito público diversa (CTN, arts. 7º e 8º), sob pena de bis in idem e também de ofensa ao princípio da não discriminação entre bens e serviços em razão de sua origem ou destino (CF/88, art. 152);
A constitucionalidade ou não dessas sanções voltadas aos contribuintes está pendente de apreciação no Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral reconhecida (clique aqui e aqui e veja notícias a respeito em nosso site).
Cogita-se, inclusive, na edição de uma súmula vinculante, de observância obrigatória por Estados e contribuintes. Enquanto isso não ocorre, contudo, reina a insegurança jurídica e os efeitos dessa guerra fiscal ficam cada vez mais devastadores.
Por isso, acredita-se que o melhor caminho para a solução da controvérsia seja política, com a promulgação de uma nova legislação complementar que venha a tratar da concessão de benefícios fiscais de uma forma mais consentênea com os dias atuais e com o ordenamento vigente, estabelecendo-se, inclusive, regras para convalidação dos benefícios vigentes, prazos de transição e remissão de créditos fiscais. Pelo que se noticia, espera-se que isso venha a ocorrer nesse próximo ano que se aproxima.
Fonte: Eberhardt, Carrascoza & Advogados Associados. Advocacia empresarial, atuante nas áreas de direito tributário, penal tributário, societário, cível e trabalhista.
OBS: Leia também em nosso site: a) Guerra Fiscal: Lei Complementar estabelece regras para regularização de benefícios fiscais (clique aqui); b) Guerra Fiscal: Ministro determina suspensão de processos sobre a restituição de ICMS em operações interestaduais (clique aqui); c) Guerra Fiscal: STF analisará recurso que discute perdão de dívida tributária decorrente de benefícios fiscais inconstitucionais (clique aqui).