COVID-19 E EXTINÇÕES DOS CONTRATOS DE TRABALHO O QUE É POSSÍVEL FAZER EM TEMPOS DE CRISE?
Em 29 de março do corrente ano, o Governador Carlos Moisés anunciou a prorrogação da quarentena após ter indicado uma retomada econômica gradativa para esta semana, o que impediu inúmeros setores denominados “não essenciais” (à exceção das indústrias) de retomarem as suas atividades. Cita-se Santa Catarina como exemplo, vez que tais medidas de quarentena vêm sido adotadas também por outros estados, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Os reflexos econômicos trazidos com a pandemia são incomensuráveis. E a conta é bastante simples: em não havendo faturamento algum, não há como dar continuidade no pagamento das obrigações principais, notadamente a folha de pagamento de salários dos empregados atingidos pela suspensão. Assim, a garantia de salário, frente a ausência de garantia de faturamento, infelizmente é uma conta que não fecha. A recessão, lamentavelmente, acarretará um quadro inevitável de rescisões.
O Governo, por sua vez, tem promovido medidas a fim de evitar estas demissões. No dia 22 de março editou a Medida Provisória 927, a qual possibilitou, entre outros, a concessão de férias sem a observância de limites de dias, bem como dos prazos mínimos, antecipação de feriados, adoção de banco de horas extraordinário, e até suspensão da exigibilidade do pagamento do FGTS dos meses de março, abril e maio com futuro parcelamento do saldo. O Governo Federal e o Banco Central anunciaram a concessão de linha de crédito emergencial para financiar o salário dos empregados para o período de 2 meses, cujo custo será a taxa de juros da Selic, e possibilidade de pagamento desta linha em até 36 meses. Tal medida ainda não possui regulamentação expressa aprovada pelo Presidente.
Há movimento governamental para a edição de nova Medida Provisória prevendo a possibilidade de suspensão temporária do contrato de trabalho mediante auxílio governamental, bem como redução salarial mediante redução de jornada, ambas temporárias, mediante ajuste individual com o empregado.
Contudo, para que a empresa venha a adotar as medidas alternativas ofertadas pelo Governo, deverá analisar a possibilidade de retomada econômica a curto, médio e longo prazo: sua possibilidade de retomada rápida do faturamento, manutenção dos seus clientes frente à natureza da sua atividade, entre outros fatores que determinarão se é possível ou não “abrir as portas novamente”, ou, ainda, o fazê-lo de forma reduzida. Infelizmente, ambos os casos demandam a ocorrência do encerramento de relações de trabalho, os quais passaremos a analisar.
1. A empresa não possui capacidade econômica para retomar a sua operação:
Nos casos em que a empresa, após análise de viabilidade econômica, conclui não ser possível a continuidade de suas atividades, mesmo com as medidas governamentais propostas, e opta pelo encerramento de toda a operação, tal decisão demandará o rompimento dos contratos de trabalhos vigentes.
Aqui é importante fazermos um necessário parêntese: pela regra geral, a decisão da empresa em finalizar as suas operações encontra-se dentro do poder diretivo do empregador e é inerente ao risco da atividade empresarial, demandando, desta forma, o pagamento normal das verbas trabalhistas, como aviso prévio, férias e 13º salários proporcionais e multa de 40% sobre o saldo do FGTS. Contudo, a CLT prevê uma forma excepcional de extinção da operação ou da empresa, cuja ocorrência refoge do poder diretivo do empregador, qual seja, a força maior, assim prevista pelo art. 501 da CLT:
Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.
A CLT reconhece que a força maior, nos termos do art. 501 supracitado, é capaz de gerar a ruptura do contrato de trabalho, desde que existentes, de forma cumulativa, dois requisitos, quais sejam: a) acontecimento inevitável em relação à vontade do empregador e sem que o mesmo tenha concorrido direta ou indiretamente, que b) determine a extinção da empresa ou de um de seus estabelecimentos.
A ocorrência de extinção do contrato de trabalho por força maior, nos termos acima indicados, não exime integralmente a empresa no pagamento das verbas rescisórias, consoante depreende-se da leitura do art. 502 da CLT:
Art. 502 - Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte:
I - sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478;
II - não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa;
III - havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade.
Assim, em havendo o encerramento da empresa ou de estabelecimento, a benesse concedida pela lei limita-se somente no pagamento 50% do que for verba rescisória de natureza indenizatória, qual seja, a multa sobre o saldo de FGTS (de 40% para 20%) para os contratos por prazo indeterminado, e na mesma proporção da indenização prevista pelo art. 479 da CLT para os contratos de prazo determinado (de 50% da remuneração a que teria direito até o termo do contrato para 25%), sendo devidas as demais verbas rescisórias (férias e 13º salários, p.ex.). Esta é a leitura doutrinária majoritária do art. 502 da CLT.
Quanto ao aviso prévio, a matéria é bastante controvertida, havendo entendimentos que sustentam a impossibilidade de condenação das empresas ao pagamento de aviso prévio (uma vez que não se há como “pré-avisar” sobre ocorrência não prevista pelo próprio empregador), bem como entendimentos que sustentam a possibilidade da condenação, inclusive, por força da Súmula n. 44[1] do TST, admitindo-se o seu pagamento em 50% por se tratar de verba de natureza indenizatória.
Feitas tais breves considerações e retornando ao tema do tópico, frente ao atual cenário de suspensão das atividades consideradas “não essenciais” por ordem do Governo Estadual, caso a referida suspensão das atividades acarrete a impossibilidade de retomada das atividades e o seu consequente encerramento (seja da empresa como um todo, seja de um estabelecimento – filial, p.ex.) sem que as medidas governamentais sejam suficientes, a empresa poderá, desde que devidamente comprovada a insuficiência de meios para a continuidade das atividades (balanços, balancetes, cancelamentos de clientes, folha de pagamento, eventuais empréstimos, entre outros), rescindir os contratos de trabalho pela força maior, nos termos do art. 502 da CLT, mediante o pagamento das verbas rescisórias decorrentes de um pedido de desligamento e pagamento das verbas indenizatórias com redução de 50%.
1.a. “Mas o Presidente disse que eu, empresário, poderia exigir o pagamento pelos Governadores destas verbas”.
A invocação trazida pelo Presidente da República diz respeito à possibilidade de responsabilização da administração pública caso o encerramento das atividades decorra “de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade”, nos exatos termos do art. 486 da CLT.
Esta situação jurídica é conhecida como “fato do príncipe”, qual seja, uma modalidade de força maior na qual o encerramento da empresa ou de um dos seus estabelecimentos se dá em razão de um ato normativo, seja municipal, estadual ou federal, que impossibilite a continuidade da atividade. Ou seja, se trata de ato que independe da vontade ou ação do empregador, mas que impossibilita a continuidade da atividade do mesmo.
Em que pese a informação trazida pelo Chefe do Estado, a configuração do “fato do príncipe” não está atrelada a qualquer ato emanado pelo ente público que acarrete no encerramento de uma empresa. Isto porque esta condição somente se configurará quando estivermos diante de um ato puramente discricionário da autoridade pública, qual seja, aquele que é unilateral e gera benefício apenas à autoridade pública em detrimento à atividade de um particular (ou vários).
Para fins de Direito Administrativo, ato administrativo discricionário é aquele em que a administração pública detém margem de escolha para um ou outra solução, segundo os critérios de conveniência e oportunidade, limitado no que diz respeito à forma, competência e finalidade.
E no caso em comento, o questionamento que se faz é: as medidas governamentais adotadas em prol de uma coletividade e em matéria de saúde pública podem ser consideradas como discricionárias ou se tratam de atos vinculados ao dever de proteção e zelo da administração pública e seus governantes perante a sociedade? Em havendo reconhecimento de ato vinculado, a alegação do fato do príncipe não subsistirá.
Ainda, para a configuração do “factum principis”, na forma da CLT, não basta a mera alegação para que a administração pública seja responsabilizada. Trata-se de uma hipótese de defesa a ser arguida pela empresa, permitindo que o ente público seja chamado para que alegue o que entender devido, podendo, ou não, ser o magistrado trabalhista o juízo competente para julgar a responsabilização do ente.
E em havendo a declaração de responsabilidade do entre público e a ocorrência do “fato do príncipe”, a legislação atribui ao Estado a obrigação de pagamento de apenas parte das verbas rescisórias, qual seja, a parte indenizatória – vejam que estamos novamente estamos limitados à multa de 40% do FGTS (e aviso prévio, conforme controvérsia anteriormente citada):
Art. 486 - No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.
A doutrina entende que mesmo sendo uma extinção contratual decorrente de força maior, a benesse quanto ao pagamento da parcialidade das verbas rescisórias restringe-se ao empregador, sendo que em havendo o reconhecimento do “fato do príncipe”, não há redução nas verbas devidas pelo Estado.
Em resumo, caso a empresa declare o encerramento de suas atividades em razão da recessão econômica provocada pela pandemia do COVID-19, acarretando a força maior extintiva dos contratos de trabalho, a legislação não exime o empregador de parte das verbas rescisórias, seja havendo o reconhecimento do “factum principis” ou não, o que nos permite concluir que os riscos da atividade negocial são parcialmente flexibilizados, mas não em sua plenitude.
2. A empresa não possui capacidade econômica para retomar a sua operação com o mesmo quadro de empregados, sendo necessária a redução de pessoal:
Nos casos em que a empresa, após análise de viabilidade econômica, conclui não ser possível a continuidade integral de suas atividades e opta pela diminuição do quadro de empregados, temporária ou definitiva, tal decisão demandará o rompimento de parte dos contratos de trabalhos vigentes.
Ocorre que não há legislação específica que flexibilize o pagamento das verbas rescisórias dos empregados atingidos neste cenário, ou seja, em havendo os desligamentos de parte do quadro de empregados, aos mesmos, pela atual legislação, serão devidas as verbas rescisórias normais de um rompimento sem justa causa por iniciativa do empregador.
2.a. “Mas o art. 486 da CLT fala em paralisação temporária e definitiva do trabalho. Não é possível se valer do termo ‘temporária’ e seus impactos negativos com a consequente redução de quadro de empregados? ”.
Em que pese o art. 486 da CLT traga em sua leitura inicial a indicação de “paralisação temporária”, o entendimento que se faz do artigo como um todo é que a eventual responsabilização do ente público está atrelada à algum ato por ele emanado que tenha causado paralisação temporária ou definitiva que culmine na impossibilidade de continuação da atividade, qual seja, a extinção da atividade em si, seja a empresa em um todo, ou seja um ou mais estabelecimentos, nos termos do art. 502 da CLT.
Ainda, reforça tal entendimento o fato de o art. 486 estar dentro em capítulo específico sobre rescisões contratuais: “CAPÍTULO V – DA RESCISÃO”.
Assim, caso não haja nenhuma medida governamental que permita uma modalidade rescisória diferente das ora expostas, teremos a prevalência da proteção do trabalhador quanto à extinção dos contratos de trabalho. Sua relativização quanto à forma de pagamento das rescisões pode ser objeto de negociação com os sindicatos laborais, sugerindo-se sempre a existência de um bom diálogo com os empregados, uma vez que o CODIV-19, além dos impactos na saúde pública, conseguiu colocar todos nós “dentro do mesmo barco”.
Fonte: Eberhardt, Carrascoza & Advogados Associados. Advocacia empresarial, atuante nas áreas de direito tributário, penal tributário, societário, cível e trabalhista.
[1] AVISO PRÉVIO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
A cessação da atividade da empresa, com o pagamento da indenização, simples ou em dobro, não exclui, por si só, o direito do empregado ao aviso prévio.